quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

RESGATANDO A HISTÓRIA DO FOTO-JORNALISTA LUCIANO CARNEIRO

Na madrugada de 22 dezembro de 1959, o choque entre duas aeronaves nas proximidades do bairro de Ramos, no Rio de Janeiro, resultou na morte de 42 pessoas. Esta tragédia, a poucos dias da celebração do Natal, pôs fim à vida tanto de tripulantes como de alguns moradores da região. Quase que seguindo um daqueles roteiros irônicos da vida, entre os mortos estava o cearense José Luciano Mota Carneiro, homem aguerrido e acostumado a lidar com voos ao longo da carreira.

Os céus tinham um significado especial para Luciano Carneiro. Simbolizavam, em certa medida, a liberdade e coragem para exercer a profissão abraçada, o fotojornalismo. Até aquele instante, aos 33 anos, capturara com suas lentes o infortúnio das guerras, ente outros dilemas humanos, tanto no Brasil como em territórios longínquos do globo.

O resgate dessa memória, capaz de se confundir com a história da imprensa brasileira dos últimos 60 anos, chega a Fortaleza através da mostra \"Luciano Carneiro: O Olho e o Mundo\", em cartaz a partir de sexta-feira (23), no Museu da Cultura Cearense, localizado no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). O público terá a chance de testemunhar um acervo composto por cerca de 300 fotografias, registradas entre o fim da década de 1940 e ao longo da década de 1950, período em que o fotojornalista atuou na revista O Cruzeiro.

A exposição denota a parceria entre o Instituto Dragão do Mar (IDM) e o Instituto Moreira Salles (IMS). Inédito na cidade, o material contou com curadoria de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS. Adentrar este universo, segundo nota da curadoria, busca difundir a visão de um talento ainda pouco conhecido na história da fotografia brasileira e permite um denso recorte do início do moderno fotojornalismo no País.

Considerado um dos jornalistas mais atuantes de seu tempo, o cearense trabalhou na revista entre 1948 e 1959, inicialmente como repórter e, no ano seguinte, escrevendo e fotografando. Entre os profissionais envolvidos na Cruzeiro, destacavam-se também fotógrafos como José Medeiros, Flávio Damm, Luiz Carlos Barreto, Henri Ballot e Eugênio Silva.

Olhar sobre a guerra

Graças à estrutura dos Diários Associados, fundado pelo magnata Assis Chateaubrinand (1892-1968), Carneiro participou de reportagens em quatro continentes, incluindo a cobertura da Guerra da Coreia, em 1951, onde foi um dos únicos repórteres sul-americanos a cobrir o conflito.

Marcado por ataques aéreos próximos ao solo, este conflito contou com apoio de exércitos de paraquedistas. Como dominava a técnica (Carneiro era paraquedista esportivo), logo na primeira missão de guerra o jovem fotógrafo de 25 anos conseguiu permissão para saltar junto com uma guarnição das tropas ianques em pleno chão inimigo.

Denominada \"Operação Tomahawk\", o ataque tinha o objetivo de impedir a fuga do exército coreano enquanto uma guarnição terrestre atacava pela frente. 90 aviões despejaram 3.500 paraquedistas no solo. Apenas quatro deles civis, incluindo o cearense.

História

Carneiro documentou, em 1955, o trabalho humanista do dr. Albert Schweitzer (1875- 1965) na África - premiado três anos antes com o Nobel da Paz. Capturou a entrada de Fidel Castro (1926-2016) e seus companheiros vitoriosos em Havana, em janeiro de 1959, e realizou ainda reportagens por pontos como Japão, Rússia e Egito. No Brasil, realizou matérias sobre jangadeiros, posseiros, a seca no Nordeste, a herança do cangaço, as lutas estudantis e ainda diversas matérias reunidas na seção \"Do arquivo de um correspondente estrangeiro\" na revista O Cruzeiro, da qual era titular.

Ao lado de Rachel de Queiroz, Luiz Carlos Barreto e Indalécio Wanderley, foi parte do elenco de jornalistas, fotógrafos e intelectuais cearenses que ajudaram a construir a fama da referida publicação.

\"Esta exposição é o primeiro passo mais abrangente nesta direção, com o objetivo de resgatar este importante legado, situando devidamente e definitivamente a obra de Luciano Carneiro no âmbito da fotografia e das artes visuais no Brasil\", explica a curadoria.

Além das fotografias originais, serão expostos materiais de época (como revistas e fac-símiles de matérias) e um vídeo sobre a relevância de O Cruzeiro - com depoimentos de Luiz Carlos Barreto e Flávio Damm, além dos fotojornalistas Walter Firmo e Evandro Teixeira, que se inspiraram em Carneiro no início da carreira. Outro atrativo é um minidocumentário produzido para a montagem original da exposição sobre o corajoso cearense, com entrevistas de Ziraldo e Luciano Carneiro Filho.

Para quem enfrentou tantos perigos e adversidades, com o intuito de denunciar e registrar os fatos de seu tempo, a vida do cearense não foi interrompida por conta de um morteiro ou um ataque aéreo. O destemido Luciano voltava da cobertura de um baile de debutantes em Brasília. Ficou o legado e a lição de profissionalismo deste fotojornalista, cuja relevância está materializada na exposição. Tocante e imperdível.

Mais informações:

Mostra \"Luciano Carneiro: O Olho e o Mundo\". De 23/2 a 13/5, no Museu da Cultura Cearense (R. Dragão do Mar, 81,Praia de Iracema). Gratuito. Contato: (85) 3488.8600

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